O incrível projeto brasileiro que fez um Peugeot 3008 a diesel rodar com etanol

Pesquisas do Instituto Mauá transformaram o etanol em combustível que “se queima” só com compressão para explodir em motor de ciclo Diesel
Renan Rodrigues
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07.03.2023 às 00:00 • Atualizado em 29.05.2024
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Pesquisas do Instituto Mauá transformaram o etanol em combustível que “se queima” só com compressão para explodir em motor de ciclo Diesel

Desde que o automóvel existe, as fabricantes procuram meios de deixá-los mais eficientes. Apesar da atual corrida pela eletrificação, há outros caminhos ainda não descobertos em estudos ou que foram abandonados no meio do caminho. 

Este último é o caso do Peugeot 3008 que ilustra a reportagem. Como é possível ver nas imagens, é uma unidade de teste cedida ao Instituto Mauá. Curiosamente, a unidade se descreve como elétrica, mas tem usina que trabalha em ciclo Diesel e funciona a etanol.

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Ao longo do texto, explicaremos como essa aparente gambiarra atua, como serviu de norte para o desenvolvimento de outros projetos e como a convergência entre motores de ciclo diesel e etanol é algo mais comum do que se imagina.

Primeiro, vamos contar como esse carro foi parar lá. O Instituto Mauá é um importante polo de pesquisas tecnológicas. Situado em São Caetano do Sul (SP), ele tem diversas parcerias com fabricantes e até mesmo veículos de imprensa, como é o caso da Folha de S. Paulo e o Ranking Mauá de consumo de combustível.

O primeiro híbrido a diesel no mundo 

Pesquisas do Instituto Mauá transformaram o etanol em combustível que “se queima” só com compressão para explodir em motor de ciclo Diesel

Há outras peculiaridades: o 3008 é o primeiro modelo híbrido do mundo a rodar com diesel, isso sem qualquer alteração, e era vendido assim na França.

O conjunto combina um motor 2.0 turbodiesel de 163 cv e 30,5 kgfm de torque – que move as rodas dianteiras - com um elétrico de 37 cv e 20,3 kgfm de torque montado no eixo traseiro, garantindo tração integral. O grande ganho está no consumo de até 26,3 km/l e na redução de 35% das emissões, comparando ao modelo abastecido somente com diesel. 

Esse número subia para 50% de redução ao utilizar o biodiesel brasileiro. Aliás, foi justamente para testar esse combustível que o 3008 desembarcou por aqui, no ano de 2012. Ele só foi parar no Instituto Mauá em 2018, após rodar em algumas universidades.  

Versão rara 

Pesquisas do Instituto Mauá transformaram o etanol em combustível que “se queima” só com compressão para explodir em motor de ciclo Diesel

Por falar nesse 3008, ele é um dos poucos no Brasil. Além da sua exótica motorização, o modelo era da série especial Roland Garros, que chegou a vestir uma opção do 308. Ela é identificada pelos bancos bicolores, detalhes no volante e rodas exclusivas. 

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Conceitos do motor térmico

Na busca pela eficiência que citamos acima, há dois conceitos que precisam ficar claros. O primeiro deles é a eficiência térmica, que diz respeito ao quanto da energia gerada é de fato utilizada para sua principal função.

Nos carros a combustão, essa eficiência é de 30%. Isso quer dizer que, de toda a energia gerada pelo motor, 70% são perdidos de outras maneiras que não seja para impulsionar as rodas. 

O segundo conceito é a taxa de compressão. Tecnicamente, taxa de compressão é o quociente de volume da câmara de combustão do pistão entre seu ponto morto inferior e seu ponto morto superior. Traduzindo: o número indica quantas vezes a mistura ar/combustível foi comprimida dentro dos cilindros do motor para explodir.

Pesquisas do Instituto Mauá transformaram o etanol em combustível que “se queima” só com compressão para explodir em motor de ciclo Diesel

Portanto, um carro com compressão 10:1 teve a mistura comprimida ao equivalente a um décimo do volume original para iniciar a combustão. Só que cada tipo de combustível tem uma taxa de compressão diferente para trabalhar melhor.

A gasolina rende melhor com taxas mais baixas, etanol com taxas mais altas e diesel com taxas ainda superiores. Por exemplo, um motor somente a gasolina funciona melhor com taxas entre 8:1 e 12:1, enquanto o etanol funciona melhor entre 12:1 e 14:1 e o diesel trabalha, normalmente, com relações entre 15:1 e 18:1.

É por este motivo que um motor flex não rende tão bem quanto poderia com qualquer um dos combustíveis. Afinal, tem uma relação de compressão média para funcionar com etanol e gasolina, não sendo a mais precisa para um ou outro. A Mobiauto, inclusive, explicou isso em detalhes neste outro artigo.

Mantém o ciclo, muda o combustível

Pesquisas do Instituto Mauá transformaram o etanol em combustível que “se queima” só com compressão para explodir em motor de ciclo Diesel

Um motor térmico também pode utilizar diversos tipos de ciclos. Os mais utilizados são o Otto e suas variações – Miller, Atkinson e Budack. Além do ciclo Diesel, que utiliza o mesmo nome do combustível, pois foi criado por Rudolf Diesel em 1897. 

Uma das principais diferenças entre os dois está na fase da admissão. Enquanto os motores de ciclo Otto trabalham com uma mistura de ar e combustível nessa fase de trabalho, o motor de ciclo Diesel utiliza apenas o ar. O óleo diesel é injetado nos momentos finais da compressão quando a câmara está com a temperatura muito elevada.

Outra diferença é a necessidade de uma faísca para explodir combustíveis como gasolina e etanol, enquanto o diesel faz o mesmo processo somente pela compressão.

Curiosamente, etanol e diesel se distanciam justamente nisso. Afinal, as características físico-químicas do etanol, principalmente a volatilidade e a resistência à autoinflamação, o tornam ideal para utilizar em motores de ignição por centelha, enquanto o diesel se sai melhor em compressão.

Apesar dessas diferenças, a mudança torna o motor menos poluente, ainda que o consumo seja 40% superior, mas dispensa o uso do Arla 32 por causa da emissão menor de partículas poluentes.

No caso específico desse 3008, ainda há a presença de um motor elétrico, como relatamos acima, aumentando a eficiência do conjunto. Só que vale ressaltar, um motor de ciclo Otto voltado somente para etanol será mais eficiente. E teremos a prova em breve, uma vez que a Stellantis pretende lançar um motor turbo movido somente com etanol.

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Aplicação na prática

Pesquisas do Instituto Mauá transformaram o etanol em combustível que “se queima” só com compressão para explodir em motor de ciclo Diesel

Apesar de um carro de passeio nunca ter chegado às ruas brasileiras com a combinação de motor com ciclo diesel abastecido com etanol, é possível encontrar nas indústrias sucroalcooleira, ou seja, que produzem açúcar e etanol. 

Para isso, a Scania adapta o motor DC9E02 para rodar com o combustível vegetal. A grande diferença fica para a compressão, que sai de 17:1 com diesel para impressionantes 28:1 com etanol. Dessa maneira, a mistura de etanol com ar é capaz de entrar em combustão. 

Outras mudanças nos blocos dizem respeito ao sistema de injeção, que possuem fluxo maior. Dessa maneira, o motor 9.0 rende 270 cv e 122,4 kgfm de torque. Essa aplicação também foi testada na cidade de São Paulo, quando a Scania entregou para a cidade 50 ônibus com essa motorização. 

A esperança era que a cidade mudasse a matriz energética da sua frota de ônibus para combustíveis renováveis até 2012, algo que não aconteceu até o momento. 

Só que a experiência não foi totalmente desperdiçada. A experiência local da marca sueca deu origem ao motor DC13-157 de seis cilindros em linha no ano de 2018. Esse propulsor também foi desenvolvido para rodar com diesel, mas passou por adaptações para rodar com ED95, que é um etanol modificado. 

Para que o combustível queime somente com compressão, um aditivo foi adicionado ao etanol, o regime é de 95% etanol e 5% de aditivo. Apesar da alteração, o motor seguiu rendendo 410 cv e 218,4 kgfm, enquanto os intervalos de manutenções foram mantidos. 

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